O cliente nem sempre tem razão – ao contrário do que diz o senso comum. Nem para a Justiça. O consumidor que extrapola o direito de reclamar, mesmo que a queixa seja cabível, comete ato ilícito passível de reparação por danos morais caso ofenda indevidamente a reputação do fornecedor. Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), em decisão unânime, confirmou sentença que condenou uma consumidora a pagar indenização a uma loja de móveis.
“Os magistrados, no mérito de suas decisões, no que dizem respeito ao direito do consumidor, tendem a favorecer a parte mais fraca economicamente da relação processual” diz o advogado Ciro Barbosa. “Mas o inconformismo, em determinadas situações, pode não ser procedente”. De acordo com os autos, a cliente adquiriu produtos do mostruário da loja, e no ato da entrega não observou que o tecido de uma das poltronas estava rasgado, assinando o termo de recebimento das mercadorias sem ressalvas.
Sem concordar com as alternativas propostas pela empresa, que alegou que o dado ocorreu durante o transporte, a consumidora manifestou sua insatisfação no mural de reclamações do site Reclame Aqui e no Facebook, tecendo comentários como: “os donos da loja não devem nem saber que lidam com gerentes mal intencionados e de caráter duvidoso” e “coisa de loja de quinta classe”.
Em sua decisão, o juiz de primeiro grau reconheceu o direito da consumidora de registrar sua insatisfação em sites destinados a reclamações assim como em redes sociais. Mas ressaltou que a reclamação sofre limitações, uma vez que não pode ser exercida de maneira abusiva. Para ele, a consumidora “não se limitou a externar sua insatisfação com o serviço, mas fez questão de denegrir a imagem da empresa, atribuindo a seus funcionários condutas desabonadoras e desonrosas”.
Abuso
O advogado Eginardo Rolim, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-CE, diz que ao fazer uma reclamação, o consumidor deve procurar fazer uma contestação técnica dos eventuais problemas que teve com o estabelecimento, sem considerações de caráter pessoal. “A partir do momento em que o consumidor deixa de ser contundente com o problema especifico e tece comentários pessoais, ele está sujeito à indenização por danos morais”, ele diz. Este entendimento está pacificado na Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça (STF), que diz que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
“A reclamação continua sendo válida e os consumidores não devem se sentir inibidos por decisões como essas”, diz Rolim. O abuso do direito de reclamar, ele diz se caracteriza quando o consumidor deixa de se queixar do fato objetivo, como um direito violado pela empresa, e entra em comentários pessoais com o propósito nítido de abalar sua imagem. “O consumidor até pode ter razão, mas isso não impede que ele seja condenado por danos morais caso extrapole o seu direito de reclamar”.